DISCURSO DO PR NO FÓRUM DE PAZ E SEGURANÇA
Íntegra do discurso do Presidente da República, João
Lourenço, proferido segunda-feira (24), em Dakar, República do Senegal, no Fórum de Paz e
Segurança.
Dakar, 24 de Outubro de 2022.
Sua Excelência Macky Sall, Presidente da República do
Senegal e Presidente em Exercício da União Africana,
Excelências Chefes de Estado e seus Representantes,
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Permitam-me começar por agradecer a Sua Excelência o
Presidente Macky Sall pelo convite que me formulou para participar nesta 8.ª
edição do Fórum de Paz e Segurança em África, que ocorre num momento
particularmente sensível que o mundo atravessa, em decorrência de conflitos que
perduram no nosso continente e noutros pontos do nosso planeta.
Estamos aqui para fazermos uma profunda reflexão sobre
as consequências dos conflitos armados sobre a vida das populações e sobre a
economia dos nossos países tendo em conta a necessidade de encontrarmos as
melhores soluções para pormos fim definitivo a um fenómeno que nos persegue
desde os anos sessenta, década das nossas primeiras independências e que tem
vindo a condicionar o desenvolvimento económico e social do nosso continente.
Realço, por isso mesmo, a questão central deste fórum
que se subordina ao tema “África face aos choques exógenos: desafios de
estabilidade e de soberania” porque o considero bastante oportuno e actual,
tendo em conta os desafios que enfrentamos para buscar soluções de paz
duradouras para os múltiplos problemas que o nosso continente enfrenta em
matéria de paz e segurança.
A presença neste fórum de vários Chefes de Estado e de
Governo, delegações de países convidados e de organizações internacionais - os
quais saúdo efusivamente -, é a clara ilustração da grande preocupação com que cada
um de nós encara os problemas de instabilidade e insegurança que afectam
algumas regiões do nosso continente.
É importante trabalharmos de forma mais coordenada com
as organizações regionais e a União Africana, por forma a que as iniciativas
que venham a ser empreendidas conduzam a resultados efectivos e capazes de
ajudar a restabelecer a confiança, a paz e tranquilidade, a ordem e
segurança necessárias ao nosso progresso e desenvolvimento.
Excelências Chefes de Estado e de Governo,
Minhas Senhoras, Meus Senhores,
Prevalecem em todas as regiões do nosso continente
conflitos de natureza e origem diversa, o que configura naturalmente uma
dinâmica que devemos procurar reverter a todo o custo.
Diante desta constatação, devemos reconhecer que há
importantes iniciativas que se vêm desenvolvendo ao nível regional e
continental, com o propósito de se contribuir para a cessação dos conflitos que
ainda perduram, e neste sentido destaco as que se empreendem no quadro da
CEEAC, da SADC, da CEDEAO, da Comunidade da África Oriental (CAE) e da União do
Magrebe Árabe (UMA).
Destacamos aqui as acções que se têm vindo a empreender
no âmbito da Conferência Internacional sobre a Região dos Grandes Lagos
(CIRGL), um mecanismo prático que tem funcionado bem e se tem revelado útil no
que concerne ao acompanhamento dos problemas que afligem a sub-região da África
Central, designadamente o conflito fronteiriço entre o Rwanda e a República
Democrática do Congo, entre o Uganda e o Rwanda, e o que subsiste na República
Centro- Africana.
Posso dizer com certa esperança que, apesar de se
verificarem ainda algumas ocorrências preocupantes, também se observam sinais
encorajadores quanto à probabilidade de se restabelecer a confiança entre as
partes e, em função deste clima, dar-se continuidade ao diálogo encetado entre
os países irmãos implicados no processo de pacificação que decorre na
sub-região.
Permitam-me realçar os entendimentos alcançados em
Nairobi e em Luanda, em resultado dos quais se criou um Mecanismo de
Verificação ad hoc, cuja missão poderá contribuir para o desanuviamento da
tensão existente na fronteira entre a RDC e o Rwanda e permitir, assim, que
sejam feitos importantes progressos na normalização da situação no terreno e
nas relações entre os dois países.
A República de Angola, em razão da sua experiência e da
sua história recente, não poupa nenhum esforço ao seu alcance para prestar
contributos que levem à paz no nosso continente.
Este espírito está sempre presente e agora com
responsabilidades acrescidas por nos ter sido concedida por Vossas Excelências
na Cimeira de Malabo de Maio do corrente ano a tarefa de promover acções e
iniciativas que concorram para o reforço da compreensão e da reconciliação
nacional a nível do continente.
Nessa ocasião, abordámos a problemática do terrorismo,
das mudanças inconstitucionais em África e da crise humanitária.
Debruçámo-nos profundamente sobre a situação do
terrorismo que Moçambique, os países do Corno de África e da Região do Sahel
enfrentam, assim como os sucessivos golpes de Estado nos países da África
Ocidental que, infelizmente, nem sempre têm encontrado uma vigorosa resposta
para desencorajar a continuação de tais práticas que violam gravemente a Carta
da União Africana, a Constituição e os princípios básicos da democracia dos
países em causa.
Esta prática não constitui solução para nenhum problema
interno que prevaleça em cada um dos nossos países, devendo merecer de todos
nós uma reação vigorosa, assente numa política de tolerância zero,
relativamente às instituições e figuras saídas de golpes de Estado.
As mudanças inconstitucionais, mesmo ali onde não
houver derramamento de sangue, não podem ser encaradas como algo normal e
ficar-se à espera da vontade dos golpistas para o regresso à normalidade
constitucional, quando e se os golpistas assim o entenderem.
O conflito armado na região do Tigray, na Etiópia, não
pode cair no esquecimento, deve continuar a merecer a nossa permanente atenção,
deve continuar na nossa agenda até que seja alcançada a paz definitiva.
É nosso dever não deixarmos as populações entregues à
sua sorte num momento em que enfrentam uma grave crise humanitária, ao mesmo
tempo que encorajamos todos os esforços de mediação que buscam o fim pacífico e
definitivo deste conflito.
A segurança alimentar no nosso continente deve também
merecer a nossa atenção por ser uma componente importante da paz e da
segurança. A escassez de alimentos e de água para consumo humano tem várias
causas que os nossos governos procuram superar com diferentes projectos e
programas.
Contudo, a seca severa em algumas regiões do continente
provoca verdadeiras catástrofes humanitárias, como acontece sazonalmente em
alguns países do Sahel, na Somália e parte do Quénia, para citar apenas estes.
Com a seca prolongada, vem a pobreza extrema, a perda
de gado que às vezes constitui a única fonte de riqueza das populações. A
pobreza extrema é um campo fértil para os traficantes de seres humanos, a
prostituição, a emigração ilegal para a Europa ou mesmo para alimentar as
fileiras dos movimentos fundamentalistas que provocam instabilidade e fomentam
o terrorismo no continente.
Não podemos baixar os braços perante as consequências
das alterações climáticas e suas consequências sobre as populações, sobre as
economias, e que tem reflexos negativos na paz e segurança dos nossos
países.
Excelências,
Minhas Senhoras, Meus Senhores,
Nos últimos dois anos, o mundo enfrentou o difícil e
complexo problema provocado pela pandemia da Covid-19 e teve que procurar, no
meio de incertezas e dúvidas, soluções rápidas e eficientes que ajudassem a
reorientar a vida das pessoas e dos países, para não só enfrentar o problema e
tentar superá-lo, como também encontrar fórmulas que ajudassem a mitigar os
efeitos bastantes nocivos que tal situação criou nas nossas sociedades, nas
nossas economias e nas nossas vidas de uma maneira geral.
No contexto das debilidades estruturais existentes no
nosso continente, afigura-se muito mais complicado e difícil reparar os
estragos que a pandemia da Covid-19 provocou às economias dos nossos países e é
bastante claro que, nas circunstâncias actuais do pós-Covid, se constate um
agravamento das condições económicas e sociais, cujos efeitos sobre a vida das
nossas populações não são negligenciáveis.
Neste contexto, o combate que travamos contra a pobreza
e os programas que vínhamos implementando com este objectivo, não só tiveram
que ser postergados, como deixaram de poder contar com os recursos de que
dispúnhamos, que já não eram muitos, por terem sido canalizados para o combate
à Covid-19 e para a mitigação dos seus efeitos mais directos.
Admitindo-se que a pobreza se agravou, em função
do que referi antes, temos de reconhecer que aumentou exponencialmente a
probabilidade de surgirem novos factores de tensão susceptíveis de originar
conflitos.
Penso que devemos encarar esta situação com a
necessária objectividade e procurar resolvê-la com base na utilização racional
e responsável dos recursos de que dispomos, a fim de nos prevenirmos contra o
aproveitamento malicioso destas dificuldades por forças adversas.
Excelências,
Minhas Senhoras, Meus Senhores
Nada fazia crer que pudesse surgir tão rapidamente após
a Covid-19 um novo problema com repercussão global que incidisse de forma tão
dramática no empobrecimento das famílias africanas, em decorrência das
dificuldades de acesso aos insumos agrícolas e de bens alimentares
fundamentais, provocado pelo conflito entre a Rússia e a Ucrânia.
Como parte integrante deste mundo global, defendemos
não apenas a paz e segurança para o nosso continente, mas a paz e segurança
universal.
Defendemos a paz no Médio Oriente, a resolução do
conflito israelo-palestiniano à luz das pertinentes resoluções do Conselho de
Segurança das Nações Unidas, defendemos a resolução negociada e pacífica do
conflito da península coreana, assim como a necessidade de se alcançar o
cessar-fogo imediato e a retomada das negociações para se pôr um fim definitivo
à guerra na Ucrânia.
Muito Obrigado!